Gente feliz, gente sã! Nem sabem como os invejo ao vê-los pela manhã!
Este fado de Amália Rodrigues traduz na perfeição o sentimento que me invade, sempre que chego a uma ganadaria pela manhã.
Vejo ao longe os bezerros que hão-de ser ferrados. Vêm a galope, acompanhados dos gritos dos campinos e pelo acorde ritmado dos cascos dos cavalos.
Desde pequeno que a figura do campino me preenche o imaginário.
Heróis do dia a dia, mistério do homem do povo rude e valente que também é nobre e fidalgo.
Grande parte da admiração que tenho por estes homens deve-se a duas figuras que perdemos recentemente: João Preceito e Joaquim Isidro dos Santos.
Duas referências incontornáveis da cultura ribatejana e do mundo do toiro bravo.
As primeiras recordações que tenho do senhor João Preceito são as de um homem enorme que trazia sempre um sorriso.
Recordo como se fosse hoje, a alegria de o ouvir perguntar ao meu pai se me podia levar a ver as poldras na sua carrinha.
Pelo caminho ensinava-me a abrir e fechar porteiras, com nós que ainda hoje uso.
Falava-me das culturas, dos ritos do campo e da história da «sua» ganadaria Oliveira Irmãos.
A ferra da Baracha era sempre a mais rápida, e, o Janica (pouco mais velho que eu) ajudava o pai com a eficácia de um campino experiente.
O tamanho, os valores, a simpatia e a vocação inata do senhor João Preceito, foram herdados pelo Janica. Tem graça que ainda hoje a ferra às mãos do Janica na ganadaria Silva, continua a ser a mais rápida de todas as ferras, herança que lhe veio também do seu pai.
Agora o Janica é a mais afamada vara do Ribatejo.
Em praça, o Janica e o Café a recolher um toiro, justifica o preço de um bilhete.
Ali mesmo ao lado da Baracha, uma história quase igual se desenrolou.
O patriarca Joaquim Isidro dos Santos foi exemplo maior da arte de ser maioral.
Na Herdade da Adema, solar da ganadaria Palha, uma escola de homens e campinos sempre sem par.
O seu filho Joaquim Carlos (que é o actual maioral) o seu neto Luís e o seu bisneto Rui, são todos campinos de excelência e o pequeno André já segue os seus passos.
Há imagem mais bonita que quatro gerações a galopar lado a lado dos seus toiros?
O convívio com a equipa da Adema é uma alegria e é mesmo uma escola.
Os valores morais, a educação, o respeito pela hierarquia e tantas outras coisas que se perderam pelo resto do mundo, continuam bem cimentados na lezíria.
O saber transmitido de gerações em gerações acumula-se agora com a tecnologia das máquinas que a nossa geração de campinos domina, tornando-os técnicos especializados.
São centenas de homens, famílias inteiras, jovens que asseguram a continuidade e um sem número de histórias e aventuras que tornam a figura do campinho no pilar da nossa festa.
O campino tem a paixão do ganadero, a equitação do cavaleiro, o saber do matador e a valentia e humildade do forcado.
Admiro-os e invejo-os, sempre que os vejo, pela manhã a contar histórias e às gargalhadas por entre o som dos chocalhos dos cabrestos.
E nas grandes feiras do Ribatejo, vou continuar a encher-me de orgulho cada vez que me aproximo deles para lhes apertar a mão, com o mesmo entusiasmo com que falava aos grandes João Preceito e Joaquim Isidro.
João Vasco Lucas