Manzana y Oro

Crónica

Há toureiros que nos falam à alma. Que vão para além das nossas convenções próprias do toureio. São toureiros que não precisam de nos passar pelo crivo das concepções – da técnica, da estética, do temple. São toureiros com ligação directa aos sentimentos. Manzanares (pai) tem esse efeito em mim. Uso o presente, porque tal como todos os artistas, ele vive ainda na sua obra, nas pinturas eternas que desenhou pelas praças.

Eram nove da noite e uma folha de word em branco. Os cotovelos em cima da mesa e os dedos que tardavam em correr pelas teclas fora. Fugi dali. Vi-me nas bancadas de Sevilha, depois de Madrid, depois de Albacete e quase aterrei em Santander quando tropecei com Manzanares em Murcia, eram já quase nove e meia e uma folha ainda em branco.

Segui-o por todo o lado que pude. Voltei a Sevilha e a Albacete, onde estivera minutos antes, desci para Granada e continuei para Antequera, segui para Bilbao e depois para praças e terras com nomes que não importavam, porque só interessava aquele toureio, aquele sabor.

Perdi-me pela geografia espanhola e pelos minutos fora. Sonhei com cada passe antes de cada investida. Soltei olés sentado num banco em frente de um computador. Senti cada faena, sem que a pudesse entender por completo. Porque este toureio não se entende nem se descreve. Não se vê com os olhos, mas com a alma.

Manzanares faz parte desses toureiros da arte sincera. Da mesma casta de Antoñete. Desses toureiros que carregam a sorte com o coração. Com uma arte não é feita de destellos, nem desplantes, nem de rezas ao Cristo Nazareno. É feita da muleta a arrastar pela arena, e de naturais lentos, e de profundidade. São toureiros com arte nas raízes fundas, e não em flores que se vão com a primavera.

Manzanares, não era um poeta na arena. Não precisava de metáforas, nem de rimas. Manzanares era um prosador eleito. Usava o tempo e o significado para criar música em cada frase.  É essa música que me fala aos sentimentos, sem a chegar a ouvir com o pensamento. É essa música inexplicável que me faz correr o tempo sem que dê por ele. Foi essa música que me fez correr os dedos, incansáveis, pelo teclado, até passar da meia-noite e encher de palavras esta folha em branco. Há toureiros que nos falam à alma…

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